by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Uma Aventura II


Quando se começa alguma coisa, devemos acabá-la. É uma questão de auto-disciplina.
Ultimamente, tenho escrito sobre variadíssimas coisas, mas há uma que está pendente e que quero terminar. A viagem à Finlândia.
Lá percebi, entre outras coisitas, que a empregada do hotel não era tão burra como eu pensava, pois dirigia-se a mim, com o jarro do café na mão e dizia ”Finnish coffee?” e eu pensava” se o café acabou pq me oferece café?”. Finalmente entendi que o café não tinha acabado, somente era café finlandês, o que me oferecia…
Bom, depois de me habituar às diferenças daquelas paragens e ao modo de estar tão radicalmente oposto ao nosso daquelas gentes, decidi que “em Roma sê romano”.
Então, lá metemos mãos à obra à procura de uma qualquer estância de desportos de inverno, onde se pudesse passar um domingo diferente. Depois de andar quilometros e quilómetros, descobrimos Kuopio, uma localidade com uma estância de desportos de inverno, todos aqueles que possamos imaginar. A cabecita do meu filho mais novo parecia um moinho de papel ao vento, rodopiava sem sem parar, olhando para os que praticavam snow bord, invejando os que desciam as encostas de esqui, mas a grande atracção para ele eram, de facto, as motos de neve.
Mais por curiosodade do que por convicção, entrei numa dessas “lojas” onde se aluga tudo para a neve, desde as famosas motas, às luvas…. Tudo. O rapaz não parava, parecia ter entrado numa outra dimensão.
“Mãe, vamos andar de mota de neve… mãe, por favor…”
“Estás doido, filho, isto é perigoso. Eu nunca andei numa mota de estrada quanto mais agora numa de neve”.
“Mas estas são mais seguras, têm 4 rodas!! Por favor, mãe. Até alugam os fatos.”
Continuando a satisfazer a minha curiosidade, mas começando também a ceder ao coração de manteiga próprio das mães, entabulei conversa com o dono da loja… preços, condições, facilidade de uso do equipamento (leia-se motas…).
“Ok, it’s easy and cheap”.
Fatos à disposição, para todos os gostos, tamanhos e necessidades. Depósito de combustível cheio. Mapas dos traçados, referências assinaladas, tudo.
“Mas ele só tem 15 anos!!” .
“No problem, it’s ok. I teach him.” E continuava no seu inglês meio “russo” a falar, disposto a ensinar o míudo a manusear aquela máquina.
Não me perguntem onde estava com a cabeça. Éramos um grupo de 7. Eu, os dois míudos e mais quatro colegas. Alugámos 4 motos.
O meu filho estava em êxtase. Mal começou a ver que o frágil coração de mãe cedia, correu para trás do balcão e prontificou-se a ajudar o proprietário da loja nas contas… não fosse a mãe ter tempo suficiente para assentar os pé na terra…
E lá fomos nós. Claro que foi o menino que levou a mota e a mãe (eu) como pendura!
“Vai mais devagar!!”
“Oh mãe, cala-te e aprecia a paisagem!”
E a aventura continuou, por florestas brancas e lagos gelados.
Não me vou deter em explicações detalhadas, mas às tantas, e dado o grupo ter-se separado, ficou uma mota: a do meu filho, comigo e com o irmão.
Perdidos. Tinhamos partido por volta das 14horas, para um passeio de 1 hora, pelos lagos gelados e com uma temperatura de 13º negativos.
Eram 16 horas, lagos nem vê-los, apenas floresta e floresta, a noite começava a cair, os telemóveis congelados não realizavam chamadas…, o traçado do mapa não correspondia ao traçado do terreno…
Tal como na história de Hansel e Gretel, vi uma casinha que deitava fumo pela chaminé, aí a uns 100m de nós. Farta de motas que deixaram de querer funcionar, meti pés ao caminho, ou melhor, à neve, e dispus-me ir a corta mato, pedir auxílio. Um passo, apenas um passo para me fazer recordar que aquilo era neve a sério. Fiquei com neve quase até à cintura e sair de lá…??
Lá fomos, a pé, por caminhos não de neve, mas de gelo.
Truz , Truz!!
Bloa onn gum… uma linguagem que não consegui entender e lá apareceu um homenzarrão, com quase dois metros de altura, à porta. De lá de dentro vinha o quentinho mais delicioso de que consigo ter memória.
“ English?”
“oo”, parecia um Não, na linguagem do Pai Natal.
“Français?” aãã, nem deviam compreender aquela palavra.
“Russian”, disse por fim o tal homem.
“Pois, russian, no”.
E agora? Bem, peguei no telemóvel e tentei explicar que estava perdida e pretendia telefonar, mas o telemóvel não funcionava.
A única coisa que o homem percebeu, parece ter sido a marca do telemóvel. Nokia, a imagem de marca dos finlandeses. Certamente pensou que eu o queria vender…
E à porta continuavamos, cheios de frio e eu desesperada. Claro que os míudos estavam encantados!!
Pensei… uma palavra universal… TAXI.
“TAXI” e apontava para o telefone.
Fez-se luz! O homem das neves lá me convidou a entrar, ligou para os táxis e passou-me a chamada. Alguém que falava inglês. “Onde estão?”…
“Não sei. Vou passar ao dono da casa e pergunte-lhe.”
E lá se entenderam os dois, na linguagem do Pai Natal.
Desligada a chamada, fomos amavelmente convidados a sair para a rua (povo hospitaleiro, este!!! ) e esperar pelo taxi, cerca de 30 min, com as temperaturas a caírem para os 20º negativos e a noite a aproximar-se.
Reconheço que só a boa disposição do meu filho mais novo conseguiu manter as nossas temperaturas corporais. Fazia-nos rir, escavava na neve à procura de água gelada ou de terra. Ora dizia, que já estávamos na Sibéria, ora afirmava que a loja das motas era já ali.Cada vez que passava um carro, de 10 em 10 min, mandava o carro parar, pegava no mapa, apontava para o mesmo e dizia para o condutor “Here (batendo com o pé no chão), where? (apontando para o mapa)”
Resposta, sempre “ooo. Russian” .
Lá chegou o táxi. Mas ainda tinhamos a mota para devolver…
Eu e o irmão entrámos no táxi e ele veio atrás de nós, de mota de neve, por estradas de gelo, com camiões a circularem, a mota a fazer faíscas e a resvalar no gelo, o “pó” da neve a tapar-lhe por completo o campo de visão e eu com o coração mais pequeno que uma cabeça de alfinete.
Perguntava ao taxista: “How far way is it from…?”.
Resposta: “Ok.”
“Please, go slowier”.
“Ok.”
“How much time remais to arrive there?”
“Ok”
Às tantas, “STOP!!”
“0k”. E parou. Saí do táxi, disse ao míudo que deixasse a moto à beira da estrada e que viesse connosco no táxi. Não aguentava mais ver os riscos que ele corria.
Foi o sangue frio que ele revelou, apenas com 15 anos de idade, desde a altura em que se apercebeu que estavamos perdidos e sob o risco de hipotermia, ao fazer-nos rir, mexer, correr, andar enquanto esperávamos o táxi, até à momento em que arriscou a vida na condução da mota, à noite, que me fez admirar a coragem e o sentido de responsabilidade, quase sempre ocultos, daquele meu filho.
Já deitados, no quarto de hotel, perguntei-lhes “Vocês têm a noção do risco que corremos? Se o vosso pai sonha com isto, nunca mais vos deixa sair do país comigo!“
“Oh mãe, não dramatizes. Foi uma aventura e tanto.”
Dias depois, já “salvo” a bordo de um Airbus da TAP, com destino a Lisboa, ele começou a chorar.
“Que se passa, filho? Que tens?”
“Nada, mãe. Esta foi a viagem da minha vida.Nunca mais viverei uma aventura como esta. Obrigada.”

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