by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Serviço Público II


Correndo o risco de expor a minha “vida privada”, gostaria de partilhar os sentimentos que me invadiram enquanto estive internada no velhinho Hospital do Montijo.

Confesso que ia algo perplexa, não sabia muito bem o que iria encontrar, em termos de instalações, de pessoal médico, de enfermagem, auxiliar, por aí fora…

Afinal, por muito que não queiramos, acabamos por ser influenciados pela “cultura do dizer mal” dos hospitais públicos, de entrar com os ouvidos cheios dos processos que se abrem por “enganos” cometidos, tipo Avastin e outros…

Bom, determinação foi coisa que nunca me faltou e como o que estava em causa não eram umas férias, mas uma intervenção urgente, pois que assim fosse.

A unidade de cirurgia é pequena, muito pequena, comparativamente com as últimas que tenho “frequentado” (maternidades, leia-se). A unidade das mulheres talvez tenha umas cinco enfermarias, talvez 15 camas.

Três casas de banho comuns a todas as enfermarias, um espaço com mesas e cadeiras plásticas com um papel colado numa das janelas com a inscrição “REFEITÓRIO”, comum às unidades de mulheres e homens.

De facto, não é um hotel, não tem o espaço nem a comodidade de um hospital privado.

Mas tem outra coisa, que me tocou profundamente.

As doentes eram maioritariamente pessoas muito idosas, tão idosas que estranhavam a minha “meninice”, tratando-me, sempre, por menina, apesar de lhes dizer que tenho um filho com quase vinte anos.

Tanto o corpo de enfermagem (que estava em greve), como os ajudantes eram pessoas que estavam ali para cuidar de pessoas, entendem?

Não havia a doente da cama 10. Era a D. Gertrudes, que precisava de um copo de água ou de que a ajudassem a comer.

“Sim, D. Gertrudes, já vamos ter consigo.”

Não era a paciente da 13 que não conseguia tomar banho sozinha. Era a D. Antónia a quem a ajudante, todas as manhãs, se dirigia “Então como foi esta noite, D. Antónia?. Correu tudo bem? Quer tomar banhinho agora ou mais logo? Vá, vamos lá, devagarinho.”

Não havia “a” da cama 8 para dar a medicação. A enfermeira, chegava à cama 8 e perguntava “D. Maria, tem dores? Quer fazer um sorozinho?”.

E as refeições? “Então, D. Ana, chá, iogurte, sumo, o que prefere? Quer que arrefeça o chá? Com açúcar ou sem? Quer uma palhinha. Vá devagarinho, espero o que for preciso. Um trago de cada vez.”

Nunca ouvi, “Sras visitas, terminou a hora, façam o favor de sair”.

Aquela casa é de todos e todos são bem vindos, seja a horas for, desde que não comprometam o serviço, claro.

Situações limite, de amputações de membros, de carcinomas, de ablação de órgãos, a quem já deu todas as suas forças ao País, mas não pode recorrer ao privado, encontram, naquele espaço exíguo, a compreensão, a paciência, a tolerância, a complacência, a benevolência que a escassa pensão de sobrevivência ou o rendimento mínimo não pode “comprar”.

Em suma, encontrei calor humano, vi que havia claramente uma missão, por todos partilhada, sempre com o sorriso, com um gesto afável.

A missão de tornar o mais agradável possível aquela passagem por ali, não a pessoas como eu, que “aterram” por três ou quatro dias, mas aos nossos idosos, por vezes, olvidados por quem de direito, incapacitados pela luta da vida e que encontraram ali uma morada quase tão permanente, quanto o tempo de vida que lhes resta permite o estado de permanência.

Bem hajam e obrigada!

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