Estava o mesmo calor infernal que se fez sentir por estes dias e a contagem de movimentos do bebé ainda não tinha chegado a cinco.
Era marinheira de primeira maré, mas sabia que deveria chegar aos dez...
A isto, juntava-se a ansiedade do termo, que estava previsto para 31, o dia seguinte. E o calor...e o diagnóstico pré-natal...
"Vamos embora para o hospital"!
E se o disse melhor o fiz!
Munida com a ecografias que ditavam a "sentença" de uma acondroplasia, mas também com a mala com as mais delicadas e ternas roupinhas que um primeiro princípe varão da melhor casta pode esperar e uma enorme barriga de nove meses menos umas horas, lá me apresentei no dito e famoso Hospital do Barreiro.
Estranhamente, não me fizeram essa coisa de toque. Mandaram-me para o RX.
Confirmaram que o bebé jamais conseguiria nascer através de parto normal, dado a posição em que se encontrava (em z) e a incompatibilidade cefalo-pélvica.
Informaram-me que iria, nessa mesma noite, fazer uma cesariana.
"Olha que bom, assim não vou sofrer nem gritar que nem uma desalmada! Podem chamar o meu marido para eu falar com ele? E já agora, podem dar-me uma revista para eu ir lendo enquanto fico com o soro?"
Lá chamaram o futuro pai.
Quando ele chegou, de revista numa mão e soro na outra, perna traçada na cama, disse-lhe toda contente:
"Olha, vou fazer cesariana!"
Como se é ingénua à primeira vez...
E assim foi. Alegre e sorridente entrei na sala de operações. " Então boa sorte a todos e até já!"
Quando acordei daquele até já é que foram " o elas..." Não podia comigo, muito menos com o meu filhote.
"Não se mexa!" Tem o seu filho a seus pés!"
Pés? Mas eu tinha pés? Eu só tinha barriga que era a única coisa que eu sentia ter! "Ponham-me a dormir outra vez! Quero comprimidos para as dores! O bebé está a chorar!"
Sem me aperceber muito bem como, saí do bloco de partos, rumo à enfermaria. Sim, naquele hospital não existem (existiam) cuidados intermédios, nem mordomias dessas...Atar e pôr ao fumeiro!
À porta lá estava o meu marido todo baboso, os meus irmãos (de chinelos acabados de chegar de trás do sol posto, mal souberam que havia bebé), a Madalena, (com um olho pintado e outro por pintar ,disseram-me, porque eu nem os olhos consegui abrir) e o meu papá.
"É tão lindo! É lourinho! Chora tanto!"
Os dias que se seguiram foram difíceis, por muitas razões que não quero enumerar.
Mas, olhando para trás, passado vinte anos, entre aquele momento de revista cor-de-rosa na mão e perna traçada e o outro em que a enfermeira me disse "não se mexa ,o seu filho está aos seus pés", passaram-se talvez, seis horas, mas eu amadureci mais de seis décadas.
HOJE O MEU FILHO FAZ VINTE ANOS!
PARABÉNS NUNO!