by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

sábado, 12 de novembro de 2011

Latifúndios

Sempre fui de tudo ou nadas. Mais de tudo do que de nadas, confesso.
Nada de quases ou mais ou menos, ou de próximo de.
Do mesmo modo que latifundiava o meu coração, rasgava os meus sorrisos ou gritava os meus queixumes.
Porque não era de entrega por partes, nunca entendi os números racionais aplicados às emoções, ou ao trabalho, ou à vida, ou seja lá aquilo que fosse e que me envolvesse.
Durante anos a fio fiz regadio intensivo da cultura da menina perfeita. Em tudo e sem margens  de manobra para o quase. E ai da estrela que descesse do céu para o desmentir ou do pássaro que pousasse na janela da avó para semear a dúvida. A menina, a neta, a aluna  perfeita. E essa era a a cultura, sem pousios, que havia plantado no meu latinfundio. E era o tudo.
O avô, que era agricultor e homem da luta, olhava para mim com aqueles olhos um terço doces, um terço embevedecidos,  um terço preocupados, como que a querer dizer-me que até os latifúndios precisam de alternância de sementeiras. Mas eu nunca entendi números racionais e o olhar fracionado dele, para mim, mais não era que a multiplicação dos olhares. Era olhar de bisavô, avô, de pai, de amigo, sei lá...Eu, os latinfundios e de tabuadas só a de multiplicar. E depois, como que a dar-me razão, havia a avó, cujo o olhar era como o meu, latifundiava tudo por onde passava!! E zás, páz, tráz, era um tudo por tudo, que nadas ou quases, não eram com ela!
Daqueles olhos verdes magnéticos da minha avó, que não conheciam uma letra do tamanho de um burro, mas sabiam a tabuada de multiplicar toda na ponta da língua e repudiavam tudo o que fosse fracionar, fiz a minha rosa dos ventos e parti para o latifundiamento de mim, com regadio intensivo, sem direito a pousios nem modernices de reformas agrárias. Tudo à maneira da minha avô.
Foram hectares a perder de vista da cultura emocional híbrida Parvo-esperançosa, bem junto à saída da artéria aorta; do outro lado, perto da entrada da aurícula esquerda, mais não sei quantos ares duma outra cultura experimental,  Dodeixandar. 
Junto ao ventrículo direito, à saída para o pulmão, onde se pretende ar fresco, ai aí... aí foi a desgraça total: fui latifundiar, anos e anos a fio, esses preciosos hectares com a cultura pura do Insiste. Ia indo à bancarrota mais cedo que o país, não tivesse sonhado, um deste dias, com o meu avô.
Foi isso que me valeu, sonhar com esse  homem do sec. XIX, agricultor, que viveu duas guerras, duas repúblicas, a revolução dos cravos, a reforma agrária, e viu a Gabriela, cravo e canela. Disse-me ele, no sonho, que a economia evoluiu e a agricultura também. Que agora quem domina o mercado já não é a America e que o velho sonho europeu já era. Que a Merkel qq dia está tão arrumada como o M. Soares.
Disse-me que devemos arranjar várias bengalas, pois corremos o risco de sofrermos de osteoporose precoce e uma só bengala é pouco. Disse-me que o mundo qq dia é dos chineses e por isso devemos aprender com eles e trabalhar como eles. 
Acordei a pensar que vou latinfundiar arrozais.