by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Um momento



Pensei participar na iniciativa de blogagem colectiva da Fábrica das Letras, sob o tema “Beleza”. Reflecti, pensei , puxei pela a minha já desfalecida memória e fraca imaginação em busca de “Beleza”. Beleza estética, beleza de sentimentos, beleza de um momento, beleza…
Pensei, claro, no nascimento de cada um dos meus filhos; na primeira vez que amamentei cada um deles; nas primeiras palavras que pronunciaram ou quando deram os primeiros passos.
Nada de mais belo e único, é verdade. Por muitas e muitas vezes que voltasse a ser mãe, viveria cada um destes momentos desfrutando do seu encanto único, como se fosse sempre a primeira vez.
Porém, acho que ainda não estou suficientemente “madura” nestas lides, para me aventurar numa blogagem colectiva; também, por outro lado, a beleza destes momentos é inenarrável, através das palavras que constam nos dicionários.
Lembrei-me de um outro momento, que julgo fazer parte da memória colectiva de muitas mulheres e igualmente imbuído da sua particular beleza: o casamento. Não é para integrar a blogagem colectiva, mas para partilhar um momento…

Era sábado, um sábado quente de Setembro, da década de oitenta.
Levantei-me cedíssimo, cumpri todos os preparativos e demandas que o dia exigia.
Cabeleireira, manicure, maquilhagem e o cerimonial de vestir aquele longo vestido que obrigava ainda a uma armação de aço por baixo, de forma a dar-lhe o efeito pretendido.
Veio o fotógrafo e foi foto de perfil, de frente, de costas, sentada ao piano, sentada na cama, no jardim, a entrar para o carro, com um pé dentro, outro fora, já devidamente acomodada, acompanhada pela madrinha, etc…;
Retrato com os primos direitos e os canhotos também; com os amigos, com os tios, os irmãos; com com o bouquet e sem o dito, enfim … horas.
Sempre fui pontual, até neste dia decidi que o iria ser. Avisei o noivo que estava pronta e sairia de casa 10 minutos após o telefonema. Se assim o disse, melhor o fiz.
Tratei de despachar todo o cortejo, estilo comitiva de abertura de festas, à frente do carro que me conduzia até ao Santuário da Nossa Senhora da Atalaia, onde se realizaria a cerimónia.
De braço dado com o meu pai, com um nervoso miudinho e ao mesmo tempo uma alegria esfuziante, própria dos 23 aninhos, eis que ao entrar na capela me deparo com ela vazia!!
Nem noivo,nem sinais dele. Nada de convidados da outra parte, ou de futuros sogros. Nada de futuros primos ou cunhados. Nada, apenas as flores que já esperavam de véspera, e nada mais.
Lembro-me da expressão aflitiva do meu pai, coitado, vestido a rigor, com um calor imenso, pensando que a sua primogénita teria sido abandonada, não no altar, mas à porta da igreja. Eu, sempre confiante, tentava desdramatizar a situação. Talvez um furo…, talvez uma súbita indisposição física, talvez se tivessem perdido no caminho (5 km em linha recta!), talvez qualquer coisa, desde que servisse para acalmar o meu pai.
Telemóveis era coisa que ainda não existia, pelo que só me restava esperar.
Determinada, decidi que os meus convidados entrariam, ocupariam um dos lados da capela e eu e o meu pai ficaríamos “resguardados” do calor e dos olhares piedosos dos convidados e da populaça que ocorre sempre aos casórios no Santuário, debaixo de uma varanda de um prédio das redondezas.
Ao fim de um bom pedaço, já não me lembro quem, veio avisar-nos de que o noivo e respectiva comitiva haviam chegado. Se estava impávida e serena, imperturbada continuei… o meu pai, esse mudava de cor de instante para instante. Ora estava vermelho, ora branco que nem cal, mas já podíamos entrar na capela.
Subi o Santuário, degrau a degrau, como estivesse a desfilar numa passerelle plana, sem esforço, sem cansaço, sem calor, sem o peso de um vestido imenso e respectiva armação, sempre feliz da vida. Já o meu pai transpirava com aqueles casacos e jaquetas e sei lá mais o quê.
Entrei ao som da marcha nupcial, tocada no órgão pela minha irmã.
A cada passo, sorria para um lado e para o outro da capela, saudava os convidados do noivo e ainda me lembro de ter pedido ao meu pai o último beijo, enquanto solteira.
Com toda a solenidade, fui entregue ao noivo, em pleno altar, prontinha para cumprir todo o ritual até ao SIM final.
Mas qualquer coisa faltava. Sem ninguém perceber o porquê, o rito não começava.
A minha irmã tocava e voltava a tocar a marcha nupcial, ora a de Mendelssohn, ora a de Wagner. Eu ajeitava o véu, arranjava o vestido dum lado e doutro, os convidados começavam a sussurrar, até que alguém se aventurou a perguntar:
“Então e o Sr. Padre?”
Bom, não sei que vos conte, mais de vinte anos depois… Só me lembro do meu pai, todo enfarpelado, morto de calor e já de algum embaraço, dizer “Eu vou buscar o Padre”.
Rodeada de convidados e flores, com o noivo ao lado e o fotógrafo que não se cansava de disparar a máquina de todos os ângulos, lá fiquei eu, sem Padre e sem pai.
Mal o meu pai saiu pela porta principal, eis que o Sr. Padre entra pela porta da sacristia. Pediu imensas desculpas, mas havia-se esquecido do casamento no Santuário…
“Vamos então dar início à cerimónia.”
“Não!! Agora quem não inicia nada sou eu! Enquanto o meu pai não chegar, não há início de coisa alguma!!”
Quase duas horas depois da hora marcada, e depois do meu pai correr todas as igrejas e capelas das redondezas em busca do Sr. Padre, deu-se, finalmente, início à cerimónia.
Foi um momento que teve a beleza sonhada por todas as noivas, mas com alguns percalços que ajudaram a fazer dele um momento ainda mais único, inesquecível e diferente.

2 comentários:

  1. Fiquei curiosa com a narração de tão solene acontecimento.
    Já agora satisfaz a minha curiosidade.
    Por onde andava o Padre?
    De facto, parece ter sido um momento de "beleza rara".
    Célia Fonseca

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  2. Pois, Célia, o nosso muto querido e já falecido Padre Manuel, estava no Montijo, esquecido do seu compromisso no Santuário.

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Olá, então diga lá de sua justiça...