by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Bancos de jardim

Num destes dias de "amargo far niente", fui dar uma volta até ao parque e sentei-me num banco de madeira, à sombra de uma daquelas seculares árvores onde há muitos anos atrás, com um balão verde nas mãos e umas longas tranças negras, tirei montes de "retratos" ao colo da minha mamã.
No banco ao lado estavam duas velhotas. Velhotas nada, porque, afinal, velhos são os trapos e a única diferença entre aquelas senhoras e eu, conclui passados alguns minutos, era o facto das mesmas nunca terem feito retratos à sombra daquelas árvores com a um balão verde nas mãos e ao colo das suas mamas. Talvez tivessem tido igualmente longas tranças negras e mamas também, certamente; só que no tempo delas não havia ainda balões verdes, as mamas eram mães e as árvores do parque eram bem mais pequenas. Ah! e as fotos, as fotos deviam ser a preto e branco...Estas eram as diferenças entre mim e estas duas senhoras, tendo no entanto, estas senhoras, uma vantagem sobre mim: o Tempo. Contado em dias, tinham um bom punhado de grãos de areia a mais do que eu, no calendário do seu passado, da sua sabedoria, da sua experiência de vida.

"O tempo já não é o que era dantes. Olha pra estes calores repentinos. Isto até nos faz mal. Dá cabo da gente."
"Mas alguma coisa é o que era dantes, ó Maria, tá tudo mudado. Nada é igual. Já não há respeito."
"Tens razão. Ó se o meu Manel cá tivesse... Graças a Deus que ele na viu nada disto."
"O quê? O tempo?"
"Na, qual tempo! O filho que ele e eu criamos! Sabes lá... Já no tempo do pai as coisas na iam lá muito bem, mas agora, mulher, agora...Deus me dê forças e alguma saúde para fazer as minhas coisinhas, enquanto for viva."
" Então, mas as coisas pioraram?"
" Qual pioraram, qual quê? Nem o vejo. Não me visita, não me telefona. É como se não tivesse mãe, sabes como é?"
" Sei, sei, é como a minha Antónia. É o que digo, o Mundo tá todo virado. Isto é o fim dos tempos!! Olha o que eu te digo!! "
"Sabes lá, no outro dia peguei naquela coisa, aquele aparelho que o Manel comprou antes de se ir, coitado, que Deus o tenha, o telmóvel, carreguei no 1 e foi ter a chamada ao meu rapaz. Gostava que ele me levasse ao médico, no dia seguinte, à tarde. Ele até estava de férias... olha, lembrei-me de perguntar..."
"Então, ele foi contigo? Fizeste bem, sempre foste acompanhada.Lisboa é uma confusão prás nossas cabeças"
" Ó mulher, mas tu achas mesmo? Disse-me que também tinha que ir ao médico dele. Às 6h00 da manhã."

E, sem perceber muito bem a razão que o coração tem e que a própria razão teima em desconhecer, ou que mais retratos a minha memória jorrará para me surpreender, levantei-me, orientada por uma bussola de um desnorte invisível e fui.

:):)

6 comentários:

  1. Como é bom observar.
    Faz-nos reflectir. Quem sabe, se daquí a alguns anos, também, lá estaremos sentadas, num mesmo banco do jardim? Provavelmente, como as mesmas conversas ou com conversas diferentes. Não obstante, talvez, o sentimento seja o mesmo, dessas duas velhotas a quem o tempo fez as suas promessas .
    Bj
    Bj

    ResponderEliminar
  2. Maré,
    Pois, tv daqui a uns anos seremos nós a contar as amarguras das nossas vidas...
    Bjs

    ResponderEliminar
  3. Num banco de jardim uma velhinha
    está tão só com a sombrinha
    que é o seu pano de fundo.
    Num banco de jardim uma velhinha
    está sozinha, não há coisa
    mais triste neste mundo.
    E apenas faz ternura, não faz pena,
    não faz dó,
    pois tem no rosto um resto de frescura.
    Já coseu alpergatas e
    bandeiras verdadeiras.
    Amargou a pobreza até ao fundo.
    Dos ossos fez as mesas e as cadeiras,
    as maneiras
    que a fazem estar sentada sobre o mundo.
    Neste jardim ela
    à trepadeira das canseiras
    das rugas onde o tempo
    é mais profundo.
    Num banco de jardim uma velhinha
    nunca mais estará sozinha,
    o futuro está com ela,
    e abrindo ao sol o negro da
    sombrinha poidinha,
    o sol vem namorá-la da janela.
    Se essa velhinha fosse
    a mãe que eu quero,
    a mãe que eu tinha,
    não havia no mundo outra mais bela.
    Num banco de jardim uma velhinha
    faz desenhos nas pedrinhas
    que, afinal, são como eu.
    Sabe que as dores que tem também são minhas,
    são moinhas do filho a desbravar que Deus lhe deu.
    E, em volta do seu banco, os
    malmequeres e as andorinhas
    provam que a minha mãe nunca morreu.

    (Ary dos Santos)

    ResponderEliminar
  4. No banco de jardim,

    o tempo se desfaz

    e resta entre ruídos

    a corola de paz.

    No banco de jardim,

    a sombra se adelgaça

    e entre besouro e concha

    de segredo, o anjo passa.

    No banco de jardim,

    o cosmo se resume

    em serena parábola,

    impressentido lume.

    (Carlos Drummond de Andrade)

    ResponderEliminar
  5. Helena
    Ary é um dos meus preferidos. Brinca com as palavras como ninguém.
    Bj

    ResponderEliminar
  6. Angles,
    Tanta coisa se passa num banco de jardim, não é?
    Bjs

    ResponderEliminar

Olá, então diga lá de sua justiça...