Num destes dias de "amargo far niente", fui dar uma volta até ao parque e sentei-me num banco de madeira, à sombra de uma daquelas seculares árvores onde há muitos anos atrás, com um balão verde nas mãos e umas longas tranças negras, tirei montes de "retratos" ao colo da minha mamã.
No banco ao lado estavam duas velhotas. Velhotas nada, porque, afinal, velhos são os trapos e a única diferença entre aquelas senhoras e eu, conclui passados alguns minutos, era o facto das mesmas nunca terem feito retratos à sombra daquelas árvores com a um balão verde nas mãos e ao colo das suas mamas. Talvez tivessem tido igualmente longas tranças negras e mamas também, certamente; só que no tempo delas não havia ainda balões verdes, as mamas eram mães e as árvores do parque eram bem mais pequenas. Ah! e as fotos, as fotos deviam ser a preto e branco...Estas eram as diferenças entre mim e estas duas senhoras, tendo no entanto, estas senhoras, uma vantagem sobre mim: o Tempo. Contado em dias, tinham um bom punhado de grãos de areia a mais do que eu, no calendário do seu passado, da sua sabedoria, da sua experiência de vida.
"O tempo já não é o que era dantes. Olha pra estes calores repentinos. Isto até nos faz mal. Dá cabo da gente."
"Mas alguma coisa é o que era dantes, ó Maria, tá tudo mudado. Nada é igual. Já não há respeito."
"Tens razão. Ó se o meu Manel cá tivesse... Graças a Deus que ele na viu nada disto."
"O quê? O tempo?"
"Na, qual tempo! O filho que ele e eu criamos! Sabes lá... Já no tempo do pai as coisas na iam lá muito bem, mas agora, mulher, agora...Deus me dê forças e alguma saúde para fazer as minhas coisinhas, enquanto for viva."
" Então, mas as coisas pioraram?"
" Qual pioraram, qual quê? Nem o vejo. Não me visita, não me telefona. É como se não tivesse mãe, sabes como é?"
" Sei, sei, é como a minha Antónia. É o que digo, o Mundo tá todo virado. Isto é o fim dos tempos!! Olha o que eu te digo!! "
"Sabes lá, no outro dia peguei naquela coisa, aquele aparelho que o Manel comprou antes de se ir, coitado, que Deus o tenha, o telmóvel, carreguei no 1 e foi ter a chamada ao meu rapaz. Gostava que ele me levasse ao médico, no dia seguinte, à tarde. Ele até estava de férias... olha, lembrei-me de perguntar..."
"Então, ele foi contigo? Fizeste bem, sempre foste acompanhada.Lisboa é uma confusão prás nossas cabeças"
" Ó mulher, mas tu achas mesmo? Disse-me que também tinha que ir ao médico dele. Às 6h00 da manhã."
E, sem perceber muito bem a razão que o coração tem e que a própria razão teima em desconhecer, ou que mais retratos a minha memória jorrará para me surpreender, levantei-me, orientada por uma bussola de um desnorte invisível e fui.
:):)