by Ana

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O acordo tripartido e o meu avô João

O meu avô nasceu nos princípios de 1897, chamou-se João e, definitivamente, não era cobarde.
O meu avô João contava-me histórias, passadas em dois séculos diferentes, desde que eu tenho memória de mim. 
Contou-me a história da Aldegalega (que hoje se chama Montijo), mas também a história da vida dele, dos tempos em que ainda quase não havia carros e por isso ele tornou-se um carroceiro de renome. E a conduzir a sua carroça o conheci, toda a vida. Não porque as Novas Oportunidades da altura não lhe tivessem validado os seus conhecimentos de código da estrada e controle de freio, mas por que ele assim o entendeu.
O meu avô João tinha 20 anos quando teve a coragem de desertar das fileiras do Corpo Expedicionário Português e assim, talvez, escapar à fileira da morte na batalha de La Lys.
Ao que ele não conseguiu escapar foi ao que se seguiu nos vinte anos seguintes e, diga-se de passagem, constituiu o melhor repertório de histórias que eu alguma vez já ouvi.
A sua condição de desertor, à época, obrigou-o a viver até aos 40 anos nesta minúscula Aldegalega de uma forma que em tudo se assemelhava ao modo como eu ouvia os meus professores de história descreverem a época feudal e as relações entre o senhores feudais e o seus servos.
Não falando da vida privada, pois é aqui que entra uma Elvira que até o Corpo Expedicionário era capaz de empurrar com a barriga, as relações laborais durante aqueles vinte anos resumiam-se ao que o patrão queria, quando queria, como queria.
"E quando fui apanhado a roubar um morango do morangueiro, para comer, descontou-me a semanada."
"Oh avô, e o que é que tu fazias?"
"Viviamos numa ditadura, Tininha e eu era um desertor. Nada podia fazer."
Ontem, ao ler as gordas do acordo tripartido, lembrei-me do meu avô que se chamou João, nasceu em 1897 e não era cobarde, da ditadura e dos desertores.

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