by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

SHE (I)

Imagem daqui


Os seus braços redondos, próprios dos noventa e muitos quilos de peso, dificultavam a tarefa o suficiente para que aquela agulhinha  espetada naquele pedaço de gordurinha fosse tratada que nem um bebé acabadinho de nascer.
A primeira tentativa de infortúnio e má sorte tinha sido feita na noite anterior, pela enfermeira de serviço mas, obviamente, em vão.
Madrugada cedo, já no bloco operatório, o bracinho de Isabel viria então a merecer honrarias de braço de chefe de estado, dado que só a perícia, ou a paciência, da médica anestesista conseguiram o milagre do achamento da veia, tal terras de Vera Cruz no meio de milhas e milhas de oceano. Sabia-se que estava lá, só não se sabia ao certo onde…

- Não mexa esse braço,  Drª Isabel. Se perdemos essa veia, não encontramos outra!
- Estejam descansados, vou portar-me bem. Mas isto está a doeeeer…! Parece que está a infiltrar!!…
- Ora deixe cá ver? Infiltar???Qual infiltrar qual que!  Que nada! Se estivesse a infiltrar já tinha aqui um papo do tamanho do seu pulso! Isso é impressão, é nervoso miudinho. Aí..., esta senhora doutora. Nem parece que é uma mulher cá dos nossos meios. Quantos filhos tem a Drª?
- Três, fora os ameaços. Se a memória não me falha terão sido outros três.
- Hum… isso é que é o que se chama mulher valente, Drª Isabel - retorquiu a enfermeira. Ia sendo meia dúzia, hã! Casa de ferreiro, espeto de pau e é bem certo!
- Mulher valente…? Pois, não sei, não. Não tinha grandes alternativas, os tempos eram outros. Para o bem e para o menos bem e, seja lá isso o que for, hoje há a chamada Educação Sexual, que parece começar mal os miúdos acordam para a vida.
- Tem razão, mas teve três filhos e está a queixar-se de dores por causa de uma coisinha destas? Nem sequer tem agulha lá dentro, sabe? Isso era antigamente. Agora é praticamente um fiozinho de plástico muito maleável que fica dentro da sua veia.  Relaxe que vai tudo correr bem.

E o vai tudo correr bem continuou com mais uma transferência da mercadoria a retalhar. A terceira no espaço de meia hora e num raio de cinquenta metros. Não seria propriamente a dança da cadeira, mas a dança da marquesa.
Linda, sensual e perfumada com o gel anti-séptico do duche das sete da manhã, que se seguira ao clister,  apenas vestia  uma bata retro vintage seexty “verde – esperança”, feita de uma espécie de papel reciclado das revistas de moda ,   ultra anti séptico e semi transparente, o que aumentava o seu grau de sensualidade, atada ao pescoço e aberta atrás, em todo o seu esplendor.

- Vá, vamos lá, Drª Isabel. Esta é a última mudança. Cuidado com o bracinho.

 Desta feita, seria o último transbordo, o derrame para a pole position de todas as marquesas, para o palco,  para ribalta do retalho, onde os focos de luzes não faltavam,  o proscénio, a um palmo do fosso. A mesa de cirúrgia.

- Agora, Drª, faça exactamente como lhe vamos dizer  (como se a Isabel lhe passasse pela cabeça fazer de maneira diferente)
- Escoste –se toda à esquerda,... vá mais um pouco... Um bocadinho mais. Chegue mais o rabinho para a ponta da marquesa.  Agora passe para a mesa. Calma, devagar. Venha mais para baixo. Isso. Agora endireite o tronco para este lado. Estique o braço esquerdo, cuidado com a agulhinha!!! Agora coloque o braço o direito ao longo do corpo.
- O direito sai da mesa- observou outra enfermeira. A Drª Isabel é gordinha. Temos de arranjar uma espécie de tala para o braço caber na mesa.
- Deve estar a brincar! -  disse Isabel, no meio de uma gargalhada.
- Não, Drª, é que a equipa médica tem de caber toda desse lado e o seu bracinho também. É muita coisa, sabe. E para mais um dos cirurgiões também ocupa muito espaço.
-Ah! Estou mais descansada. Logo vi que o problema não me era intrínseco. Afinal é uma questão de logística da equipa médica.

Isabel, apesar das suas formas redondas e dos seus cinquenta anos, era uma mulher bastante  feminina que gostava de mostrar as suas formas, de provocar com as suas curvas e extra-curvas. Achava-se interessante, com alguma piada, sentido de humor, era descomplexada e dona de uma auto-estima capaz de ombrear com a de uma Miss América saída de uma clínica de lipoesculturas. Enfim, uma mulher descontraída, sorridente,  cativante.
Apesar das talas para a mesa de cirurgia ou das picadas para encontrar as veias invisíveis, estava relaxada, sorridente, bastante  auto confiante, atendendo à situação em si, e obedecia, sem pestanejar, a todas as indicações que as enfermeiras que davam.
Afinal, o que se propunham fazer com o seu corpo para ela eram peanuts.   Coisa pouca, em princípio iria apenas retirar um quisto mamário.
Mulher calejada, useira e vezeira em situações cirúrgicas, amiga fiel do bistúri, por mão própria ou alheia, ah! mais corte, menos corte, desde que pudesse continuar a usar os seus decotes, mostrar o contraste da sua tez leite com os ondulado do seu cabelo negro, tal como o da sua avó, nada lhe faria qualquer impressão.
 Chegou a equipa médica, a qual soltou as gracejolas  da praxe, às quais Isabel respondeu, de igual para igual e, mal o anestésico entrou no soro  desejou boa sorte à equipa, fechou os olhos e, sem perder tempo, correu na direcção àquele túnel vazio, oco, isento de gravidade, mas que a puxava com uma força inexplicável a que ela também, inexplicavelmente, cedia.

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