by Ana

Um espaço para partilhar as "tolices" de cada dia, de uma forma descontraída, descomprometida e com algum sentido de humor. Only that.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

"Geração à rasca"


Sinto-me filha de ninguém.
Cria de geração sem nome, sem referência, sem causa, sem mote.
Por alturas de Maio de 68 ainda não sabia ler nem escrever, muito menos que coisas se passavam em França ou mesmo que existiria algo para além de Badajoz da Espanha, donde o meu triciclo tinha vindo.
Um ano depois, em 69, o Homem foi à lua. Foi no dia do casamento da minha prima Lurdes. Mas o que me ficou na memória , nesse dia, foi a conversa sobre uma novidade que as senhoras usavam e, pelos vistos, lhes facilitava a vida. Usavam collants, pela primeira vez, e comentavam a facilidade daquela peça de vestuário.
Como a lua para mim era uma coisa da noite e das histórias da adormecer e as minhas tias diziam que aquilo do Homem pisar a lua era tudo invenção, decidi voltar costas à televisão e ao grupo dos homens e ficar a ouvir as facilidades do uso das collants vs chatice do uso de meias com cinto ligas.
Uns anos mais tarde veio a Revolução dos Cravos, estava eu na 4ª classe e para mim foi dia de festa. Não houve aulas, o meu pai estendeu um porco morto no meio da cozinha da minha avó e, lá em casa da minha avó, juntou-se a família toda, agarradinha à televisão. Perguntavam pelo Spínola, pelo Soares. Eu preferia indagar as entranhas do porco, pois do que se estava a passar nada entendia e nada me explicavam.
Não posso, portanto, dizer que seja da geração que fez ou festejou a revolução de Abril.
Não sou daqueles que levaram com as passagens administrativas pela cara, os anos propedêuticos, os serviços cívicos. Não, nada disso.
Sou daqueles que fizeram o percurso do "certinho e bonitinho", depois da confusão ter acalmado e das experiências da revolução e tentativas de contra-revolução terem serenado. Sou do unificado, do 12º ano e dos números clasus.
Não tendo sido perdida nem achada para essa causa, lembro-me de um dia 12 de Junho de 1985 e do  Portugal na CEE.
A partir deste dia foi ver os milhões (não sei de que moeda) entrarem todos os dias no nosso país e o alcatrão cobrir montes e vales, as mega - barragens pintarem de azul o que antes era verde,
O litoral a "litoralizar" e o interior a "interiorizar"; o Alentejo ora litoralizava ora"coutizava",...
Foi ver um país democrático, laico e republicano, onde a classe média e alta quase não se distinguiam, onde todos os seus  filhos tinham carrinho, casa, emprego, cursos financiados, férias em Cabo Verde, telemóveis, computadores, plasmas, Ipod,... tudo com fartura e sempre na crista da onda.
Há dois dias, perguntei ao meu filho mais velho, que tem 20 anos, quando é que ele pensava arranjar emprego.Ele respondeu-me:
"Oh mãe, tu não vês as notícias?Não há empregos mãe. E os que há são formas de exploração dos jovens. Eu sou da geração à rasca!" 
Calei-me.
Acho que já tenho uma definição para a minha geração:
A geração que teve de tudo, mas gerou a Geração à rasca.

22 comentários:

  1. Ana, estás a brincar, mas eu acho que essa definição está mesmo certa. Eu sou um nadinha mais velha do que tu. Lembro-me bem da vida antes do 25 de Abril, e mesmo nos anos que se seguiram. A nível económico não havia facilidades nenhumas, e o dinheiro era bem contado. Sempre me incomodou o esbanjamento, ía mesmo dizer novo-riquismo, que se instalou a partir de um certo momento. De repente, parecia que ter tudo isso que mencionaste era um direito inalienável. Não era. Na verdade, era apenas viver muito acima das nossas possibilidades. Não me incomoda nada que os nossos jovens tenham de ir de transporte público para a faculdade, ou que não tenham dinheiro para passar a lua de mel nas Maldivas. Nós é que os educamos mal, com excesso de tudo menos de esforço. O que me incomoda é que, com esforço ou não, o País parece que deixou de ter futuro, para os jovens e para os menos jovens. Abro uma excepção para as juventudes partidárias, infelizmente.
    Bjs

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  2. Texto enxuto
    e não curto
    denso
    Retrato lúcido
    e penso
    ter sido
    escrito
    por uma filha de niguèm
    lido
    por um pai de gente
    de todos nós ausente...

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  3. Cara Ana
    Vim aqui parar graças ao Rogério Pereira (claro que ele vai voltar aqui e por isso lhe deixo o agradecimento)
    Acredite que escreveu aquilo que eu andava a tentar fazer. Penso da mesma forma. De facto a nossa geração, não soube prever a geração que estava a criar.
    Cumprimentos

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  4. Penso que somos da mesma geração...e até somos da mesma idade...? e o que tu dizes...repito...o 25 de Abril para mim não teve grande peso,também não entendia muito bem o que se passava...lembro-me que fiquei nervosa,ouvi no rádio que havia um certo caos nas ruas do Funchal...e aconselhavam a não sair de casa...imaginava mil coisas...
    A geração dos finais de 60 quanto a mim esbanjou até não poder mais...foi o começo da liberdade confundida com libertinagem...o despoletar da droga,do álccol,da loucura...a arte, como forma de protesto, conheceu o esplendor nessa altura e até houve gente que comeu os seus próprios excrementos...imagina a forma de arte?! A liberdade foi tão grande que deu para gastar,gastar,gastar desmesuradamente...o que na minha casa não se verificou... pelo contrário... fui educada para pensar no dia seguinte e as medidas de austeridade que ouço falar agora...foram aplicadas na casa dos meus pais nessa altura. E ninguém gastava mais do que podia...e eu habituei-me a essa privação...
    Na minha opnião penso que até foi demais...mas de qualquer forma, aprendi a ser muito comedida e saber organizar a minha vida...
    Mas dizes bem, foi uma geração que não se privou de nada e agora deixa os jovens numa situação muito péssima.

    Bj

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  5. Excelente texto fico com a expressão.
    Um bj e sigo-te

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  6. Cheguei aqui por indicação do meu amigo virtual Rogério Pereira, que muito prezo. Em boa hora! Gostei de ler este texto desempoeirado. Quem assim escreve, melhor pensa! Saúdo-a, vivamente!
    Sou da geração anterior à que trouxe Abril. Geração que pouco ou nada tinha, nem o direito de dizer estou à rasca, embora o cochichasse, ouvido a ouvido, e o passasse, por escrito, de mão em mão…
    Peço-lhe que desculpe o que vou dizer a seguir.
    Detive-me na resposta do filho e no silêncio da mãe. Entendi que o “calei-me” é fruto, e apenas isso, da geração que tudo teve, menos a capacidade de falar do passado à que se lhe seguiu. Penso que só não perdendo de vista o que fomos, poderemos ganhar o que seremos, ou queremos ser.
    “ Não há empregos mãe. E os que há são formas de exploração dos jovens. Eu sou da geração à rasca!"
    Permita que lhe conte:
    Logo a seguir ao 25 de Abril, em serviço para a RTP, fiz uma reportagem na Companhia das Lezírias, no Ribatejo. Aí encontrei trabalho escravo – um grupo de 12 mulheres-meninas, todas adolescentes, trabalhando de sol a sol, ao lado dos seareiros, na apanha do melão. A única remuneração (para utilizar a expressão de uma cantiga dos Deolinda, que anda por aí) era a dormida numa camarata, sem quaisquer condições de higiene, um pão ao pequeno-almoço, um frugal almoço, e outro pão com uma chávena de cevada ao jantar. As famílias, que procurei e entrevistei, aceitavam tal situação porque eram menos bocas a sustentar!
    Acho que os jovens de hoje, se soubessem de realidades como aquela não se diriam à rasca.
    Nada tem a ver com o seu post, é apenas um acrescento:
    Não generalizo, porque sei que nem toda a juventude de hoje assim é mas, se quisermos encontrar a que se indentifica com o “Parva que sou” dos Deolinda, a encontraremos nas discotecas, nos concertos, nos saldos dos centros comerciais e no popó, de telemóvel na mão, que os pais lá estão… A tal geração “sem remuneração” mas que, afinal, “ainda me falta o carro pagar”.
    Desculpe a extensão do comentário. Se entender que o que disse não tem, para si, qualquer sentido, não o publique.
    Abraço

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  7. Olá, Ana!

    Cheguei aqui por indicação do querido Rogério, que aliás me apresenta coisas maravilhosas, sempre. E teu blog não fugiu à regra!
    Parabéns pelo texto, muito bacana, você escreve muitíssimo bem. Rogério tem razão, um texto para refletir. Será qual a minha geração? Não fizemos a revolução, não quebramos tabus, não fomos censurados. Muito ao contrário. A minha talvez seja a geração da liberdade. Torço muito para isso.

    Beijos

    Carla

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  8. Gostei imenso do texto, Ana, mas...concordo com o Carlos Albuquerque. Grande parte da culpa dos prolemas desta geração, cabem à que a antecedeu. E é necessário que os jovens percebam que vivem num mundo de facilitismo que não os habituou a lutar pelo futuro. Isto dava pano para mangas, mas fico-me por aqui.
    Beijinhos

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  9. Um texto bem escrito como sempre, mas, desta vez... mais do que contigo, é com o comentário do carlos Albuquerque que me identifico. Se algum erro a minha geração praticou, não foi a do excesso de direitos (que só quer a vida cheia, quem teve a vida parada), foi a de não ter sabido dizer à geração seguinte o que este país já foi.
    Bjs, amiga.

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Teresa
    As tuas preocupações são as minha preocupações. Tal como tu, faço mea culpa o facilitismo com que os meus rebentos olham para a vida.
    Bjs

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  12. Rogério

    Obrigada pelo seu comentário e pela gentileza de ter partilhado estas minhas palavras no seu espaço.
    É como lhe disse - Estraga-me com mimos!-
    Um abraço!!

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  13. Cara Folha Seca

    Realmente houve essa grande falha...de tanto querer dar, demos demais...
    Obrigada pela sua visita. Volte sempre
    Um abraço

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  14. Pedras

    Seria interessante se comparasses a forma como tu foste educada com a forma como os teus familiares mais próximos (e desta última geração) são educados. Mesmo não conhecendo a tua família, acho que as realidades são mt distintas. Ou não?
    Bj grande

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  15. Gisa

    Obrigada pela visita.
    Volte sempre!

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  16. Carlos Albuquerque

    Não peça desculpa pela extensão do comentário!!!
    Agradeço-o imenso!! De facto o que diz é verdade. Há que não esquecer essas memórias, mais, há que aprender com a nossa História!

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  17. Carla

    Obrigada pelas suas palavras.
    Espero que volte mais vezes
    Um abraço

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  18. Carlos

    Pois... já fiz mea culpa.
    Há que aprender com os nossos erros. Será que somos capazes de ensinar aos nossos meninos que errámos na (des)educação deles. Pelo menos isso?
    Será que podemos não (des)educar os nossos netos como (des)educamos os nossos filhos; ou pelo menos tentar que os nossos filhos eduquem um bocadinho melhor os seus petizes; q façam lelhor trabalho do q nós. Será q ainda vamos a tempo?

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  19. Helena, amiga

    Desta vez perdou-te o facto de gostares mais do texto do Carlos. Mas só desta vez e pelo facto de ele ter MUITA RAZÃO!
    bj gd

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  20. Sabes Ana...porque será que a minha geração é aquela que mais precisa de ajuda de psicólogos? e a que veio depois,precisa ainda mais? Consegues compreender o porquê? Porque se deu o carro,deu o portátil,deu o telemóvel da última geração etc ...MAS NÃO SE DEU O ESSENCIAL,O AFECTO, O AMOR ...E SEGUNDO OS ENTENDIDOS NO ASSUNTO, O QUE SUCEDE É O SEGUINTE: o PAI ASSISTE AO JOGO DE FUTEBOL E NÃO QUER SER PERTURBADO PARA NADA, A MÃE ESTÁ A VER UMA TELENOVELA QUE LHE INTERESSA MUITO E OS FILHOS ONDE ESTÃO? SABES ONDE ESTÃO? ESTÃO NO QUARTO SOZINHOS NA PORCARIA DOS JOGOS OU EM CHATS DE CONVERSAÇÃO...
    OU COMO HÁ POUCO DEU NA TV, AS CRIANÇAS QUEREM AJUDA DOS PAIS PARA RESOLVEREM PROBLEMAS DA ESCOLA E A MAEZINHA E O PAIZINHO ESTÃO NO TELEMÓVEL A CONVERSAR COM OS AMIGOS...OU NA MELHOR DAS HIPÓTESES A MARCAREM ENCONTROS SECRETOS COM PESSOAS DO FACE...
    E ainda, quando as pessoas me vêm com a conversa de que "no meu tempo eu fui escravo" agora vais ter de passar pelo que passei...isto é de um egoísmo desmedido e uma mente caduca!!!
    Porque é assim; eu passei o que passei mas não quero que nenhuma criança tenha a mesma sorte...QUEM AMA NÃO PODE PENSAR DE FORMA VINGATIVA.
    Existem outras formas de aprender, outras formas saudáveis de educar, de formar crianças e jovens sem facilitismos mas também sem tiranismo.

    Penso que em entendeste. Não?

    Beijinhos e saudades tuas

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  21. Olá, Ana.
    Olha eu não escreveria geração à rasca.
    Escreveria antes, " GERAÇÕES À RASCA!"

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Olá, então diga lá de sua justiça...